Estamos às vésperas de mais um Natal. Para ser mais precisa, daqui a três dias estaremos nos preparando para a ceia de Natal. Sempre digo que comprarei os presentes com antecedência, mas essa é uma das poucas coisas nas quais não consigo manter a disciplina. Portanto lá fui eu, em uma sexta-feira véspera de feriado prolongado, encarar shopping para algumas compras. Pelo menos consigo manter o lado prático e sei o que vou comprar e onde finalizo as compras com relativa rapidez. Apesar de chegar cedo, rodo e rodo com o carro à procura de uma vaga para estacionar. Munida de toda paciência comigo mesma, pois sei que mais uma vez não cumpri o prometido de ir na contramão da galera toda e me antecipar nesse ritual de compras natalinas. Enfim, encontro a vaga, e rumo para a loja. Vendedora simpática me aborda assim que entro, e digo o que procuro. Ela entende e não tenta, em momento algum (graças aos céus), me empurrar o que não quero, por não ter o que pedi. Rapidamente decido e vamos para o caixa. Ela chama o gerente da loja para finalizar a compra. Ele me olha nos olhos, sorridente, me chama pelo primeiro nome (sim, já tenho cadastro embora faça mais de um ano que não compro nas lojas da marca) e confere se o endereço é o mesmo. Emenda com um: “Que olhos bonitos! Mas acho que você já está cansada de ouvir isso.” Eu arregalo os olhos surpreendida e abro um sorriso largo para dizer: “Menino, faz muito tempo, mas muito tempo mesmo, que não ouço isso! Você salvou meu ano novo que sequer começou!” Ele me estende a mão, para me cumprimentar, eu retribuo e ele, muito gentilmente, vira minha mão e a beija. Nesse momento sinto que ele não está apenas lisonjeando uma cliente, muito menos me paquerando pois sei que não faço parte de suas opções para relacionamento afetivo. Ele quase tem idade para ser meu filho. Sinto a sinceridade de um gesto educado, gentil, mas fora de uso. Beijar a mão de “damas” é old fashioned. Mesmo quando eu era adolescente isso já estava em desuso. Continuamos a conversar enquanto ele faz a cobrança, de maneira leve, agradável e prazerosa. Saio da loja contente, não apenas porque encontrei o que precisava, mas sobretudo porque encontrei algo que não fui buscar mas me foi presenteado, em forma de educação, cortesia, respeito e humanidade. Isso foi antes do almoço.
Após o almoço corro para a cabeleireira que me atende há mais de 20 anos. Em todos esses anos trocamos algumas confidências e ela também se tornou minha cliente. Olho para sua fisionomia enquanto me conta sobre o susto com a saúde do marido e penso que vejo uma mulher bela, com as marcas do tempo que dão um ar de sabedoria. Enquanto aguardo pela próxima etapa em seu salão de beleza, ao lado está uma mulher sendo atendida que conversa com a manicure, em voz alta, e começa a falar de quando era menina e os estojos de lápis de cor eram de madeira. Fala sobre as lancheiras de plástico, com um buraco na tampa para comportar a garrafinha do suco. Eu começo a lembrar que isso fez parte também de minha infância e solto uma risada. Elas sorriem e me incluem na conversa. E ficamos por vários minutos lembrando coisas de nossas infâncias, dos horários de balada, do jeito de namorar, etc. Fazemos comparações com a época de nossos filhos e como nos adaptamos, aceitamos, convivemos e assimilamos tantas mudanças.
Ao final do dia, esses dois momentos voltam em meus pensamentos. E constato: o Sol entrou no signo de Capricórnio. As qualidades desse signo dão o tom na “música” desse período, na trilha sonora de nossas vidas nesse momento. Natal é festa de família, e família remete a tradição, passado, continuidade. Capricórnio que é regido por Saturno-Cronos é o deus do tempo cronológico. Saturno que é um auditor e, ao passar por setores de nossa vida, mostra onde há rachaduras, onde o alicerce não está tão firme. Mostra os limites. Antigamente, antes da descoberta de Urano, Saturno também regia o signo de Aquário, e dizemos que esse signo está relacionado a novidades, invenções, alta tecnologia, amizades, grupos e comunidades. Quando o alicerce é bom, é possível reformar a construção e trazer algo bem diferente. Ou então podemos reformar o antigo, restaurar e preservar o que era bom, bonito e útil. Dessa forma o antigo fica valorizado. Hoje meu dia foi na energia de Saturno, sofrendo um pouco por deixar para a última hora as compras dos presentes. Sendo presenteada com gestos antigos de cortesia. Vendo a tecnologia do software da loja que me mantem em seu cadastro mesmo não comprando nela há um tempo. Minha fidelidade à uma marca boa que permanece lucrativa após tantos anos. A mesma fidelidade que mantenho com o salão de beleza que me atende com a mesma excelente qualidade.
Tive por um tempo alguém convivendo em nossa família que dizia gostar e ser proprietário de um carro antigo. O carro dele era apenas velho, devia ter uns 15 anos de fabricação, mal cuidado e sem valor nenhum de mercado. Era um carro velho, mas que teimosa e orgulhosamente ele insistia em dizer que era antigo. Tenho um irmão que teve, ele sim, coleção de carros antigos, calhambeques lindos, restaurados, de um passado muito remoto. Esses sim, tinham um valor alto no mercado. Saturno é o vinho que melhora com o tempo, desde que conservado sobe condições específicas.
Reflito, nesse início de noite, sobre os dois momentos que marcaram meu dia, sobre o Sol em Capricórnio e vejo que tudo que falei acima se trata da mesma coisa, de valores antigos que perduram porque são bons. A durabilidade, resistência ao tempo sem absolutamente perder nada da graça, glamour e frescor é o que confere a objetos, pessoas e valores essenciais a força da permanência. Não é saudosismo, é qualidade que transcende. Por isso, quando algo que estava em sua vida há tempos deu defeito e perdeu a graça, é porque virou velharia, perdeu a utilidade e precisa ser descartado. Por outro lado, se algo estava desde sempre em sua vida mas continua dando alegria e prazer, preserve e mantenha, pois isso é uma antiguidade valiosa. E se você tiver a sorte de encontrar alguém jovem, gentil e que lhe presenteie com um gesto respeitoso e educado como o gerente da loja que onde comprei, sorria e agradeça pois, nesse momento, ele se tornou mensageiro dos deuses, ou até mesmo um deus, abençoando sua existência.