Desde o início da pandemia do Coronavírus, quando subitamente todos os compromissos presenciais foram cancelados ou mudados para online, ganhei um tempo extra para observar o entorno. Resolvi colocar frutas em uma das sacadas de meu apartamento para oferecer alimento aos pássaros. Timidamente começaram a chegar, e enquanto eu os observava também buscava informações sobre eles. Descobri serem sanhaços azuis e verdes, e a partir da observação fui entendendo seus hábitos. Passados quase dois anos desde as primeiras frutas colocadas sei muito mais agora sobre o comportamento dessas aves. Escolhem parceiros para a vida toda, portanto sempre estão em duplas, principalmente os verdes. Os azuis são menos apegados. Inicialmente um casal de verdes vinha com frequência, comia, e ficava um bom tempo nos ganchos dos vasos, quietos. É esse casal, que está na foto que ilustra o texto, e que permanece até hoje com esse hábito. Há um bem-te-vi que fica boa parte do dia pousado no teto do prédio ao lado, e muito raramente vem para se alimentar, mas quando chega os sanhaços se vão. Ele é arisca e basta o vento bater nas plantas dos vasos que ele se assusta e se vai, sem se alimentar. Às vezes uma única maritaca pousa nas grades da sacada, anda por ela, mas como não se sente atraída pelo mamão e banana se vai sem comer.

O casal mais assíduo de sanhaços verdes me mostra o que nutre um relacionamento duradouro. Para aves, animais ou humanos os mesmos princípios são válidos. Estar presente, lado a lado, partilhando todos os momentos é essencial. Não estar juntos todo o tempo também é importante, pois é necessário manter a individualidade, ter independência e seguir seus sonhos e objetivos. Quando um dos parceiros se anula, buscando atender às expectativas do outro e forjando uma personalidade que não é verdadeira, isso não se sustenta.  Aquele que finge se entristece e se apequena, e o outro se desilude com as atitudes pouco sinceras do fingidor.

Quando um dos sanhaços vem sozinho, ele se alimenta e depois vai para o gancho dos vasos. Fica por um tempo quieto, depois começa a piar chamando o outro. Após um tempinho o outro chega, come e vai para junto do companheiro. Esse distanciamento vez por outra do casal, que podemos pensar como férias conjugais, traz o tempero da saudade, da vontade de ficar juntos, do desejo do outro. A novidade é importante nos relacionamentos afetivos, pois incentiva a troca de informações, aguça a curiosidade para o aprendizado e a partilha. O interesse por um novo curso que a parceira fez, por uma nova função no trabalho do parceiro, tudo isso mostra que cada um está buscando evoluir e que inclui o outro nesses novos caminhos percorridos. O pio do pássaro que está sozinho é o pedido do parceiro, da companheira, para compartilhar o que aprendeu ou vivenciou. Enquanto um casal conversa, um ouvindo o outro atentamente, a relação está preservada. Casais silenciosos há muito deixaram de compartilhar seu mundo interior. É verdade que já se entendem pelo olhar, que são capazes de saber como agir e o que o outro está pensando, mas pararam no tempo em termos de partilha prazerosa. Nada substitui o brilho do olhar de quem conta algo emocionante para si, por um olhar condescendente do “já sei como é”.

Sobre os ciúmes e o cuidar aprendi algo com eles dia desses. Estava o casal no prédio próximo e apenas um deles veio se alimentar. Enquanto estava saboreando a fruta chegou um outro sanhaço avulso – talvez um jovem ainda sem parceiro – e foi se aproximando para também comer. Imediatamente o que havia ficado no prédio vizinho voou para junto do outr, espantando o jovem intruso. Não foi como uma demonstração de posse, mas sim como uma postura de defesa do parceiro. Ciúmes e controle corroem uma relação, mas proteção e atenção a alimentam e fortalecem.

Hoje presenciei uma cena linda desse casal. Um deles veio sozinho, se alimentou e foi para o gancho do vaso. Poucos minutos depois veio o par, se alimentou, encheu o bico de banana e voou para junto do outro, alimentando-o na boca, como um beijo nutridor. Sabemos que os pássaros fazem isso apenas com filhotes que ainda estão no ninho, mas esse casal de sanhaços me mostra sempre como deve ser um relacionamento afetivo entre adultos. Mesmo que o outro possa se alimentar sozinho, é possível demonstrar o amor com pequenas atenções e carinhos.

A natureza nos ensina, sempre e continuamente, e saber olhar para o mundo com olhos atentos e alma aberta, em atitude de humildade, sempre nos acrescentará informações simples de como viver em harmonia com o próximo. Sem complicações da mente humana.